quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

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SONHO DE SABIÁ


Um sabiá diligente
Voou pela vastidão
Mas por inexperiente
Caiu em um alçapão
Depois de aprisionado
Ficou mais martirizado
Pensando no seu filhinho
Implume, sem alimento
Exposto à chuva e ao vento
Sem poder sair do ninho


Deram-lhe por seu abrigo
Uma pequena gaiola
No casebre de um mendigo
Que só comia de esmola
Só vivia cochilando
Com certeza imaginando
Sua liberdade santa
Ia cantar, não podia
Que sua voz se perdia
Logo ao sair da garganta


Tornou-se a pena cinzenta
Em seu profundo castigo
Na saleta fumarenta
Da casa do tal mendigo
Sempre triste, arrepiado
Nesse viver desolado
Ia um mês, vinha outro mês
Assim completou um ano
Sentindo o seu desengano
Nunca cantou uma vez


Depois, uma tarde inteira
O pobre do passarinho
Sonhou que ia à palmeira
Onde tinha feito o ninho
Olhava, em frente, as campinas
Via por trás das colinas
A Natureza sorrindo
Ao sentir a liberdade
Pensou ser realidade
Sem saber cantou dormindo


Depois, sonhou que voltava
À terra dos braunais
Por onde sempre cantava
Mais os outros sabiás
Voava nas ribanceiras,
Pousava nas laranjeiras
Olhando o clarão do dia
Voava através do monte,
Voltava a beber na fonte
Que todas manhãs bebia


No sonho via as favelas
Criadas nos carrascais
Voou, baixou, pousou nelas
Cantou os seus madrigais
Voltou, colheu os orvalhos
Que gotejavam dos galhos
Dos frondosos jiquiris
Contente, abria a plumagem
Pra receber a bafagem
Das manhãs de seu país


Foi à terra dos palmares
Atravessou toda a flora
Voou por todos lugares
Que tinha voado outrora
Passou pelos mangueirais
Entre os outros sabiás
Cantou sonora canção
O seu som melodioso
Estava mais pesaroso
Devido à sua emoção


Viu a vinda do inverno
Nos quadrantes da paisagem
Ouviu o sussurro terno
Do bulício da folhagem
Cantou todo o arrebol,
O brilho morno do sol
Morrendo nos altos cumes
Sentia, quando cantava
Que seu coração chorava
Com mais tristeza e queixumes


Sonhou catando semente
Num campo vasto e risonho
Se sentia tão contente
Que sonhou que fosse um sonho
Olhava pra vastidão
Tocava em seu coração
Um regozijo profundo
Todas delícias sentia
Às vezes lhe parecia
Vivendo fora do mundo


Voou por entre os verdores,
Atravessou as searas,
Cantou pelos resplendores
Das manhãs frescas e claras
Passou pelo campo vago,
Bebeu das águas do lago,
Pousou sobre o arvoredo,
Penetrou no bosque escuro,
Aí sonhou um futuro
Tão triste que teve medo


Depois, sonhou que estava
Trancado em uma gaiola
Ouvindo alguém que cantava
Na porta, pedindo esmola
Ao despertar de momento
Reparou seu aposento,
Ouviu falar o mendigo
Fechou os olhos pensando
Sentiu seu íntimo chorando
No rigor de seu castigo


Ainda em vão procurava
Sair daquela prisão
Seu olhar denunciava
Piedade e compaixão
Ao pensar na liberdade
A mais pungente saudade
Devorava o peito seu
Assim, o cantor da mata
Ferido da sorte ingrata
No outro dia morreu.
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